RCAAP Repository

Ortodoxia e coerência de um general (bom) de briga(da)

O presente ensaio tem por objetivo examinar alguns aspectos da obra e da trajetória política de Nelson Werneck Sodré que, paralelamente à vocação intelectual, cumpriu longa carreira no exército chegando ao posto de General de Brigada. Autor de vasta obra sobre o Brasil, seu pensamento foi frequentemente associado à linha política do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Contudo, a interpretação que desenvolvo aqui é a de que suas teses foram elaboradas com base no movimento tenentista e no diálogo com teóricos marxistas, cujo eixo de análise constituía-se na questão nacional e não no internacionalismo vigente na Terceira Internacional. Sodré foi, também, um militante da Esquerda Militar, intervindo politicamente nas Forças Armadas e atuando decisivamente na defesa da legalidade democrática nas décadas de 1950 e 1960.

Entrevista

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Cristãos-novos, marranos e judeus no espelho da Inquisição

No mundo ibérico dos séculos XVI, XVII e XVIII todos os judeus remanescentes eram necessariamente clandestinos, o que implicava a necessidade de dissimular suas práticas e seus sentimentos religiosos. Na medida em que aquilo que sabemos a seu respeito resume-se, quase exclusivamente, às informações produzidas pela Inquisição, podemos ter a certeza de que nem todas tinham uma base factual. Não dispomos, entretanto, de critérios claros e objetivos que permitam determinar quais confissões e acusações eram verdadeiras. Portanto, como veremos neste ensaio, entender por que determinado indivíduo era considerado judeu passa por um exame contextual mais aprofundado da situação dos cristãos novos na sociedade ibérica, do papel da Inquisição em diferentes lugares e épocas, e, por fim, das circunstâncias específicas de cada acusação individual.

Memórias sem segredo

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Um olhar sobre o catolicismo brasileiro

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Year

2010

Creators

Silva,Sandro Ramon Ferreira da

"Piores que bestas feras": Garcilaso de la Vega e o imaginário hispano-inca sobre os Guarani Chiriguano

No presente artigo propomos uma análise do imaginário de Garcilaso de la Vega sobre os Chiriguano - povo guarani falante que, por volta do século XV, se estabeleceu nas fronteiras do império andino. O tenaz enfrentamento que travaram contra os exércitos imperiais incaicos e, posteriormente, contra os hispânicos ensejou que o cronista Garcilaso de la Vega descrevesse os Chiriguano como a antítese da civilização. Nossa análise incide sobre como esse cronista mestiço abordou os Chiriguano, no intuito de tecer similaridades entre o imaginário cristão e o inca.

De núcleo de povoamento à praça de guerra: a Colônia do Sacramento de 1735 a 1777

Fundada em 1680, quando a Coroa portuguesa buscava expandir seus domínios na América, a Colônia do Sacramento passou de um pequeno entreposto fortificado a um importante núcleo comercial e de povoamento no início do século XVIII. Entretanto, o cerco espanhol, que se estendeu de 1735 a 1737, limitou seu caráter de centro povoador e núcleo de expansão portuguesa no Rio da Prata a um papel exclusivamente comercial e militar. O levantamento do cerco, em 1737, não implicou o abandono do bloqueio à praça, que continuou até a sua entrega definitiva à Coroa espanhola, em 1777. Procuramos, neste artigo, estabelecer um paralelo entre o cotidiano da população da Colônia do Sacramento, durante o tempo que em viveu sob o bloqueio espanhol, e o dos habitantes das praças fortes portuguesas no Marrocos e na Índia, onde a população vivia sob o constante controle de seus movimentos e de ameaças de invasão por parte dos inimigos.

O estanco nas cidades do México e de Buenos Aires: crise e ruptura em meados do século XVIII. Um estudo comparativo

As cidades de Buenos Aires e do México, desde os primeiros anos do processo de conquista, tinham um sistema de fornecimento de carne com base no monopólio, o estanco, estruturado em torno da figura do obligado, supervisionado pelo Cabildo. Esse sistema irá operar formalmente até meados do século XVIII, quando diversos fatores ocasionaram seu declínio e a necessidade de sua substituição. No caso específico do fornecimento de carne para a cidade de Buenos Aires, destacam-se os estudos de Hernán Asdrúbal Silva e de Juan Carlos Garavaglia. Para a Cidade do México, os trabalhos de Enriqueta Quiroz sobre o estanco são indispensáveis. Neste estudo tentaremos analisar, a partir de uma perspectiva comparativa, esse processo de substituição de um sistema de monopólio para um sistema competitivo, em ambas as cidades, no período colonial.

Derrama, boatos e historiografia: o problema da revolta popular na Inconfidência Mineira

Este artigo investiga os boatos que circularam entre os anos de 1788-89, na Capitania de Minas Gerais, acerca da ameaça de lançamento da derrama, cobrança de um tributo sobre a extração de ouro. Em geral, a historiografia relaciona a cobrança da derrama ao surgimento de um levante popular, interpretado como reação "espasmódica" à extorsão material. Essa interpretação destaca a frivolidade política atribuída à gente pobre, tida por incapaz de reagir, senão quando acossada pela fome ou por pressões materiais. Contudo, analisando os boatos sobre a derrama, é possível questionar a validade do postulado. A incidência social do tributo, os critérios de proporcionalidade baseados na riqueza individual e a existência de mecanismos de dependência econômica indicam que a derrama, antes de ser ofensiva aos pobres, colidia com os interesses da elite mineira.

Efigênia Angola, Francisca Muniz forra parda, seus parceiros e senhores: freguesias rurais do Rio de Janeiro, século XVIII. Uma contribuição metodológica para a história colonial*

Este artigo pretende contribuir para a metodologia de investigação da dinâmica social da sociedade estabelecida após a conquista da América lusa, através da análise de aspectos das estratégias de vida de escravos pardos e forros - como Efigênia Angola, Francisca Muniz e outros sujeitos sociais - nas freguesias rurais do Rio de Janeiro, ao longo do século XVIII. A análise foi desenvolvida a partir do cruzamento de informações presentes nos registros paroquiais dos batismos, nas visitações eclesiásticas e nos inventários post-mortem, na perspectiva das técnicas da história serial e da microhistória italiana.

Orundellico-Jemmy Button: o(s) lugar(es) e a(s) identidade(s)

A oposição entre "dentro" e "fora", que por muito tempo norteou a imagem que temos do espaço, se defronta hoje com renovados desafios territoriais. Enquanto uma vertente da reflexão contemporânea sobre o espaço destaca a importância de perspectivas alternativas - "heterotopias", "entre-lugar", "espaço fronteiriço", "não-lugar", "espaço virtual" − outra, aponta para o desaparecimento da exterioridade. Neste trabalho proponho discutir a relação entre o lugar e a identidade, tomando como base a figura histórica do índio yamana Orundellico, mais conhecido pelo nome de Jemmy Button que, em 1830, foi levado para a Inglaterra e retornou para a Terra do Fogo, após três anos. Seleciono, ao final, exemplos de intelectuais contemporâneos que pertencem a duas culturas e comento o fenômeno da "dupla consciência".

De índio a guarda nacional: cidadania e direitos indígenas no Império (Vila de Itaguaí, 1822-1836)

A transição do Brasil para a condição de nação independente gerou uma revisão na política indigenista colonial com o objetivo de definir os parâmetros que o Império deveria adotar em relações aos índios. Personagem destacado nesse processo foi José Bonifácio de Andrada e Silva, que apresentou à Assembleia Constituinte de 1823 uma detalhada proposta sobre o assunto. A dissolução da Assembleia Constituinte interrompeu o debate sobre os índios e a Constituição outorgada em 1824 abriu margem para considerá-los cidadãos. O objetivo deste artigo é analisar as estratégias indígenas e estatais no processo de definição dos direitos e das obrigações inerentes à condição de cidadãos, logo após a Independência, tomando como objeto de reflexão o período da Constituinte e a experiência dos índios da vila de Itaguaí, no Rio de Janeiro.

Revisitando o passado em tempos de crise: federalismo e memória no período regencial (1831-1840)

Este artigo analisa a contra-memória criada no período regencial em torno dos movimentos políticos pernambucanos de 1817 e 1824, propagada principalmente através do jornal O Carapuceiro (1832-1842), publicado por Miguel do Sacramento Lopes Gama. Procuramos demonstrar que esse periódico foi, sobretudo, político e não, meramente de costumes, e que teve grande influência no processo de retorno dos conservadores ao poder, em 1837. Examinamos, também, como a memória sobre aqueles eventos foi redefinida, entre as décadas de 1840 e 1860, como resultado da publicação de obras, como a de Muniz Tavares (História da Revolução de Pernambuco em 1817), e da fundação do Instituto Arqueológico e Geográfico Pernambucano (1862) que procuraram instituir outra contra-memória daqueles movimentos, articuladamente à construção de uma identidade provincial e contraposta à identidade imperial, forjada no âmbito do IHGB e da historiografia produzida em seu interior.

Year

2010

Creators

Silva,Luiz Geraldo Santos da Feldman,Ariel

O tempo transitivo da nação: apontamentos sobre o Brasil Republicano no pensamento de Eduardo Prado

Este artigo é uma investigação introdutória ao pensamento do historiador brasileiro Eduardo Prado. Analisamos o pensamento do autor sobre a República Brasileira e sua relação com a constituição de uma ontologia da nação. Na condição de intelectual monarquista, Prado via a República como a demarcação de uma realidade decadente, mas transitiva, do Brasil, ao contrário do que efetivamente o definiria enquanto tal como nação. Nessa definição que seria provisória da nação, o autor não somente questionou o que caracterizava a República Brasileira em termos de valores, como também tentou pensar uma alternativa de futuro para o Brasil, diferente do futuro supostamente decadente para o qual o regime republicano o conduziria.

Das casas às roças: comunidades de candomblé no Rio de Janeiro desde o fim do século XIX

O artigo analisa o processo de constituição das comunidades de candomblé no Rio de Janeiro, desde o fim do século XIX. Partindo de uma divisão desse processo em quatro momentos, são propostos três tipos de (des)continuidade para as trajetórias dessas comunidades. Também são analisadas a distribuição dessas comunidades no território do Rio de Janeiro e a tipologia arquitetônica que resulta de práticas menos morfológicas e mais estruturais de reconfiguração do ambiente físico. Ao final, é discutida a condição dessas comunidades como patrimônio cultural e sua inserção no processo de preservação de sítios, edifícios e objetos referentes à afrodescendência no Rio de Janeiro.

Urnas e saias: uma mistura possível. A participação feminina no pleito eleitoral de 1933, na ótica do jornal Correio do Povo

Este artigo busca elucidar o que o jornal Correio do Povo de Porto Alegre julgou adequado publicar sobre a primeira participação feminina nas eleições de 1933. O sufrágio universal e a igualdade do voto só foram conquistados, de uma maneira geral, nas primeiras décadas do século XX. Uma conquista feminina inegável, fazendo com que o Brasil se transformasse num dos países pioneiros na concessão do voto para as mulheres. Um longo caminho foi percorrido desde as primeiras manifestações ocorridas no século XIX até a conquista definitiva desse direito na década de 1930, no Brasil. O objetivo aqui pretendido é dar ênfase a esta conquista feminina na ótica do jornal, através da análise tanto dos seus artigos quanto das imagens escolhidas para ilustrar o fato.

Peronismo e cultura: o Primeiro Congresso de Bibliotecas Populares da Província de Buenos Aires (1949)

O governo do presidente argentino Juan Domingo Perón (1946-1955) desenvolveu uma política cultural voltada aos setores populares. Para o peronismo, a questão político-social e a cultural eram indissociáveis. O Primeiro Congresso de Bibliotecas Populares da Província de Buenos Aires (1949) foi uma das iniciativas dessa política cultural peronista. Entretanto, ela foi marcada por divergências, inclusive internas, quanto à centralidade do nacionalismo, à formação que deveria ser dada aos setores populares e ao legado da tradição liberal argentina.

"Ou vocês mudam ou acabam": aspectos políticos da censura teatral (1964-1985)

No Brasil, a censura teatral foi instituída no século XIX com a fundação do Conservatório Dramático Brasileiro. Até a década de 1960, a censura de diversões públicas era responsabilidade dos estados, regia-se por legislação ostensiva e atuava na esfera da moral e dos bons costumes. Com o golpe militar de 1964, a atividade censória passou por um processo de re-significação que consolidou a centralização do órgão em Brasília e a prática da censura política. Ao papel de mantenedora dos princípios éticos e dos valores morais, motivos alegados para a criação do Serviço de Censura de Diversões Públicas, na década de 1940, foi acrescentada a preocupação com a manutenção da ordem política e da segurança nacional, justificativas incorporadas na reestruturação da censura nas décadas de 1960, 1970 e 1980.

O Banco Mundial e a construção político-intelectual do "combate à pobreza"

Este artigo discute as razões e os meios pelos quais o Banco Mundial lançou, no final dos anos 1960, o lema do "combate à pobreza". Para isso, relaciona a atuação do Banco a fatores externos, ligados às disputas políticas da Guerra Fria e às provisões norte-americanas no âmbito do desenvolvimento. O trabalho mostra que instrumentos o Banco utilizou para levar adiante essa divisa; que argumentos lhe deram sustentação, qual direção política assumiu e que limites enfrentou nos anos 1970. Discute como esse lema foi instrumentalizado pelos programas de ajustamento estrutural implementados durante a década de 1980, culminando na gestação de um novo modelo de política social no início da década de 1990, sintonizado com o neoliberalismo.