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Metamorfoses do olhar: reflexões sobre a formação do leitor literário contemporâneo
O presente trabalho propõe reflexões sobre a formação do leitor literário, tendo como base a perspectiva da literatura como pensamento, conhecimento de mundo e da experiência humana e da leitura literária como experiência de formação e transformação do leitor. Para tanto, articulam-se proposições teóricas que abrigam princípios da teoria literária e conceitos centrais da filosofia contemporânea, os quais privilegiam a hermenêutica como exercendo um papel central no processo de conhecimento humano. Às investigações teóricas relacionam-se a prática pedagógica em sala de aula e a cuidadosa observação do processo de aprendizagem de jovens enquanto leitores de obras literárias e escritores de textos, os quais engendram experiências com a literatura. Primeiramente, apresentamos o cerne do paradigma científico moderno e as críticas a que tem sido exposto desde o final do século XIX. Nesse contexto, acercamo-nos de conceitos fundamentais da hermenêutica filosófica tal como postulada por Hans-Georg Gadamer e desenvolvida sob o ponto de vista da literatura por Paul Ricoeur, cujas reflexões abarcam a dimensão ontológica e existencial da literatura, bem como da experiência da leitura literária. Em seguida, aprofundamos duas vias propostas por Paul Ricoeur, esclarecedoras do processo interpretativo pelo qual se dá o encontro entre texto e leitor, quais sejam, a referência metafórica como base do funcionamento e valor cognitivo da linguagem literária propulsora da relação estabelecida entre texto e imaginação produtora do intérprete, e a dialética entre explicação e compreensão, como dinâmica da leitura interpretativa que compõe o círculo hermenêutico ricoeuriano. Os caminhos apresentados rearticularam-se de modo a pensar estratégias de mediação com vistas ao trabalho de formação do leitor literário, sobretudo na aula de Língua Portuguesa. Em um terceiro momento, apresentamos experiências de mediação de leitura da obra Aventuras de Alice no País das Maravilhas (1865), de Lewis Carroll, realizadas com estudantes do 9º ano do Ensino Fundamental II de uma instituição da rede particular de ensino da cidade de São Paulo. Por fim, investigamos nas produções textuais dos estudantes vestígios e indícios do percurso de leitura iniciado em aula e de sua efetivação enquanto experiência autêntica com a obra literária selecionada, acontecimento discursivo entendido como apropriação que, na acepção ricoeuriana, corresponde ao diálogo entre os horizontes do texto e do leitor, processo em que ambos são refletidos e transformados. Notamos ainda como a elaboração de estratégias de mediação de leitura, entrelaçada ao nosso olhar investigativo, também constituiu-se por um exercício hermenêutico, ressignificado em muitos momentos, ampliando os horizontes da pesquisa.
Da terra das sombras à terra dos sonhos. O espaço sagrado na literatura para crianças e jovens
Esta dissertação tem como objetivo identificar a presença do espaço sagrado na Literatura para Crianças e Jovens. Para isso, utilizamos como eixo teóricometodológico propostas sociológicas e antropológicas sobre o sagrado e sua relação com o homem. Como um substrato para mitos, ritos e arquétipos, o sagrado tem permeado a Literatura para Crianças e Jovens, revelando o homem e sua relação com suas crenças. Em diversas obras, evidencia-se como um elemento essencial e norteador do ser que o aceita. Assim, recorrendo ao estudo de temas (tematologia) como método comparativista, objetivamos identificar a configuração do espaço sagrado, pela oralidade, em duas obras: A menina de lá, de Guimarães Rosa, e O beijo da palavrinha, de Mia Couto. Além disso, pelo mesmo método comparativista, analisaremos as obras As Crônicas de Nárnia: o leão, a feiticeira e o guarda-roupa, de C. S. Lewis e Cibermãe, de Alexandre Jardin, com o objetivo de identificar o retorno do sagrado nos dias atuais e, verificar que o sagrado não se limita a épocas, mas até mesmo na modernidade o homem o busca.
Arte literária em dois ramos graciliânicos: adulto e infantil
A nossa intenção neste trabalho é situar o escritor Graciliano Ramos em um contexto de estudo onde se coteje a sua produção adulta, mais especificamente o livro São Bernardo, com A terra dos meninos pelados, um de seus trabalhos destinado às crianças. A proposta justifica-se por ser Graciliano Ramos autor representativo da literatura brasileira, conhecido e estudado em países de língua portuguesa, amplamente pesquisado nos meios acadêmicos, escritor de obras também destinadas ao público infantil. Ao considerarmos as relações dinâmicas que se estabelecem entre autor, texto e leitor, e sabendo que o escritor, ao elaborar o seu trabalho, o faz submetido a uma intenção criativa e a um propósito estético, ideológico e social, cônscio da necessidade de buscar efeitos de sentido, transmitir o seu pensamento e incitar interpretações, tentamos responder a uma questão que nos parece fundamental: podemos considerar os dois ramos literários de Graciliano (o adulto e o infantil) igualmente significativos? Com este objetivo, analisamos A terra dos meninos pelados, de Graciliano Ramos, interpretando as vozes subjacentes que reverberam além do texto, e observando os contextos que permitem considerar o livro em questão como obra canônica de nossa literatura infantil, tanto quanto os seus trabalhos adultos o são. Para isso procuramos fazer uma abordagem mais ampla, buscando sua relação histórica com a escola, a sua contemporaneidade, as questões culturais que envolvem o autor, bem como o seu pensamento como escritor.
2013
Ricardo de Medeiros Ramos Filho
\'Literapalco\' em Lygia Bojunga: arte como projeto de vida
A literatura de Lygia Bojunga tem como uma de suas características marcantes a teatralidade. Propõe-se, neste trabalho, a analisar a maneira pela qual essa teatralidade é construída verbalmente, a fim de demonstrar os efeitos oriundos dessa conjugação entre literatura e teatro, em todas as obras da autora. Para essa análise, aplica-se uma metodologia empírica - analítica, que se dispõe a investigar, na obra da autora, as estratégias literárias recorrentes que coincidem com recursos do teatro, com base em estudos de autoridades da arte teatral, tais como Patrice Pavis, Jean-Jacques Roubine, Anne Ubersfeld, Gerd Bornheim, Raymond Williams, Bertolt Brecht, Erwin Piscator, Ana Maria de Amaral, Valmor Beltrane, Margot Berthold, Felisberto Costa, Admar Costa, Iná Costa, Sílvia Fernades e J. Guinsburg, Marli Terezinha Furtado, Lionel Abel, Sonia Aparecida Vido Pascolati e Igor de Almeida Silva. Constatou-se que os recursos teatrais mais recorrentes na literatura de Lygia Bojunga pertencem ao Teatro Épico, ao Teatro Mambembe, ao Teatro de Animação e ao Metateatro. Os efeitos analisados são a construção da visualidade e da expressividade dos elementos contidos na caixa cênica, que se materializam literariamente, e a fusão entre o projeto literário da autora e o seu projeto de vida.
2019
Cristiane Figueiredo Florencio
Vou pôr uma história: estratégias narrativas em Nosso musseque, de Luandino Vieira
Esta dissertação apresenta uma leitura de Nosso Musseque (2003), do escritor angolano José Luandino Vieira, um romance que se filia ao conjunto da literatura produzida na década de 1960 e que flagra o cotidiano das parcelas mais desfavorecidas de Luanda: os moradores dos musseques. O objetivo é analisar a constituição do foco narrativo e os efeitos das diversas estratégias estilísticas utilizadas no sentido do texto. Sob a égide de uma literatura comprometida com a construção da nacionalidade e da angolanidade, o romance caracteriza-se pela recuperação da memória coletiva de um grupo de crianças que habitaram as periferias de Luanda no período anterior à Guerra de Libertação, do qual faz parte o narrador. O percurso entre a infância, a adolescência e a juventude é rememorado sob numa perspectiva que adere às personagens e que se revela na polifonia de vozes discursivas, no resgate de formas oriundas da lógica da oralidade das sociedades tradicionais africanas em tensão com as que se apresentam na literatura. Essa reconstrução da memória coletiva evidencia os embates dos sujeitos com o real excludente: desvela não só os momentos significativos em que os desejos de plenitude foram frustrados, mas também as estratégias de resistência dos marginalizados ao colonialismo. Nesse sentido, a trajetória dos meninos do musseque é recontada sob um ponto de vista interno e profundamente engajado, que recupera o processo de amadurecimento e o despertar de uma consciência revolucionária e utópica, imbricando ficção e realidade.
2014
Janete Barbosa de Oliveira
Em boa companhia: a amizade em O senhor dos Anéis
Chama a atenção o fato de uma obra como O Senhor dos Anéis, de J. R. R. Tolkien, envolver não apenas um herói, mas muitos personagens com um objetivo comum: a destruição do Anel do Poder. Eles criam laços e revelam sentimentos que nós encontramos no dia a dia, na jornada de nossa vida: se tornam amigos. Este projeto busca analisar como a amizade na obra tolkieniana colabora para o desenvolvimento de seus personagens, bem como contribui para o sucesso de seu objetivo final. Para tanto, tomaremos como base teórica o livro Ética a Nicômaco de Aristóteles, obra que se propõe essencialmente a estudar a felicidade, ou seja, o bem último do homem (eudaimonía). Ao aniquilarem o Anel, os heróis da saga tolkieniana realizam seu grande desejo, e ocorre então o que Tolkien chama de eucatástrofe, o final feliz, essencial nas histórias de fada. Ainda no pensamento aristotélico, a amizade seria tanto um sintoma da felicidade do ser humano quanto uma necessidade para que ele alcance essa realização plena. Por conta de Tolkien ter o seu entendimento de imaginário baseado, entre outras questões, no pensamento religioso, buscaremos também apoio na teologia, especialmente na Suma Teológica de São Tomás de Aquino, enxergando, na amizade, uma relação direta com a caridade cristã. Por entendermos que, na contemporaneidade, a centralidade do livro dá espaço para outras produções artísticas, nos apoiaremos também nas adaptações fílmicas de O Senhor dos Anéis, dirigidas pelo neozelandês Peter Jackson. Tal análise comparativa visa trazer mais elementos para o estudo sobre a amizade na narrativa de Tolkien, visto que o homem contemporâneo, especialmente o jovem, se mostra, cada vez mais, apoiado no universo do audiovisual, muitas vezes partindo dele para o da literatura. Acreditamos que nosso projeto chega em boa hora, visto que tanto o livro quanto o filme em questão envolvem e fascinam seu público leitor e espectador, contribuindo para a formação de seu pensamento ético e de seu caráter, servindo de referência a muitas obras do gênero fantasia, em diversas plataformas.
2017
Cristina Casagrande de Figueiredo Semmelmann
A rede literária de Timor
Esta pesquisa reivindica a capacidade de aglutinação de escritores das literaturas de língua portuguesa por Timor-Leste, e com isso, a leitura do fazer literário poder ocorrer pela dimensão das relações. Nelas, entende-se a fragilidade de um rizoma (baseado na conceituação de Deleuze e Guattari) passível de ser analisado nas obras entre si, na prática da intertextualidade e nos índices paratextuais reunidos, porque se interlocucionam por Timor. Para isso, evidencia-se o encadeamento da textualidade flagrada entre os escritores de língua portuguesa, que um a um cavam a própria capilaridade no rizoma-Timor, transmutado em Rede Literária de Timor. Pelo menos vinte escritores se interconectaram rizomaticamente a três escritores-nós, Ruy Cinatti, Xanana Gusmão e Luís Cardoso, fazendo dessa dinâmica de produtividade o flagrante da Rede Literária de Timor. Observou-se que o trânsito de literatas foi a ocorrência mais acionada, ao passo que a permanência-pertença foi gratamente evidenciada em Luís Cardoso, Joana Ruas e Teresa Amal.
2018
Suillan Miguez Gonzalez
O comportamento colonial no romance de Jacob e Dulce (1896) de Francisco João da Costa
O presente trabalho analisa o romance do escritor goês Francisco João da Costa (1859-1900), Jacob e Dulce scenas da vida indiana (1896), publicado em Goa, antiga colônia portuguesa na Índia. O principal foco da obra é criticar o comportamento colonial da elite goesa cristã, isto é, retratar de forma bastante ácida seus hábitos e costumes, denunciando sua imitação servil aos modelos europeus. O presente trabalho procura analisar a crítica ali presente, assim como situar o texto em meio a outras obras coloniais de referência para outras tradições literárias, nomeadamente a moçambicana e a marfinense. Finalmente, revela como a crítica produzida na altura do surgimento do livro acaba por colocar em diálogo o escritor goês com um escritor brasileiro, Visconde de Taunay, em cujo debate podemos constatar a densidade intelectual de Francisco João da Costa, assim como alinhá-lo a críticos do colonialismo como Frantz Fanon.
O escravo: entre a identidade caboverdiana e a literatura européia
O romance O Escravo (1856), escrito por José Evaristo de Almei-da, português radicado por algum tempo em Cabo Verde, traz marcas do contexto histórico e cultural daquela colônia portuguesa em meados do século XIX. Este estudo busca demonstrar que o romance vai além da caracterização genérica do arquipélago, e procura delinear literariamente uma identidade caboverdiana. Essa abordagem, identitária, tem por parâmetros, estéticos e de valor, não apenas o contexto literário e de idéias português, mas o contexto maior do debate europeu acerca da escravidão e da raça, com destaque para um diálogo intertextual privilegiado com o romance Bug-Jargal (1826) de Victor Hugo.
2009
Claudia Bernardete Veiga de Almeida
Graciliano Ramos do outro lado do Atlântico: a difusão e a recepção da obra do autor de Vidas Secas em Portugal entre as décadas de 1930 e 1950
O presente trabalho tem como objetivo estudar as diferentes facetas da recepção e da divulgação da obra de Graciliano Ramos em Portugal ao longo dos anos de 1930, 1940 e 1950. Trata-se de um período marcado, entre outros aspectos, 1) pela ampliação, em termos editoriais, da indústria do livro brasileira, o que teria dado início a um processo de inversão de influência tipográfica entre Portugal e Brasil; 2) pela emergência, no âmbito artístico, do neorrealismo luso e pela singular presença da literatura brasileira em terras portuguesas; 3) e, em termos políticos e culturais, pelo esforço de aproximação formal entre os governos de Getúlio e Salazar. Com ênfase nas dimensões jornalística, epistolar e editorial relativas à chegada e à ressonância de Graciliano em Portugal, procurou-se observar como, para além de leituras e apropriações neorrealistas, presencistas e estadonovistas, as produções do autor alagoano se firmaram no panorama cultural português e consolidaram seu nome como um dos principais prosadores de nosso idioma.
Desentranhando desejos e identidades: uma leitura queer de Luís Miguel Nava
O objetivo desta pesquisa é discutir, a partir da ideia de interdição foucaultiana, os processos de que se valeu a crítica literária para apagar de seu horizonte de leitura as imagens do homoerotismo nas literaturas de língua portuguesa, para tanto, detivemo-nos de modo mais apurado na leitura de poemas de Luís Miguel Nava, poeta português cuja obra tem uma dimensão homoerótica notável e, mesmo assim, as leituras que fizeram dela passaram ao largo de discuti-las de modo mais aprofundado.
Júlio Gonçalves e a literatura romântica na Índia portuguesa
Este trabalho tem como horizonte a análise da produção do escritor goês Júlio Gonçalves, composta por matérias não ficcionais, tais como biografias, estudos historiográficos e crônicas, bem como por crônicas, contos e poesia. O corpus do trabalho advém, sobretudo, da revista Illustração Goana (1864-1866), que o escritor dirigia e editava. O presente estudo tem dois objetivos: tratar da imprensa literária da qual a referida publicação fez parte e analisar a produção em prosa de Júlio Gonçalves. Tendo sido o primeiro escritor goês a escrever e publicar contos, foi um dos grandes promotores das letras em Goa, podendo ser tomado como um paradigma da produção literário daquele momento.
2018
José Antonio Pires de Oliveira Filho
Violências singulares, textos plurais: um diálogo entre Sapato de salto de Lygia Bojunga e As aventuras de Ngunga de Pepetela
Esta dissertação tem por objetivo discutir e comparar as imagens da violência e da infância, que são histórica e culturalmente construídas, na literatura de recepção infantil, analisando as obras As aventuras de Ngunga, do escritor angolano Pepetela e Sapato de salto, da escritora brasileira Lygia Bojunga, buscando compreender em que medida a articulação entre as duas obras possibilita a compreensão dessas culturas para identificar os efeitos estéticos, culturais e sócio-políticos presentes nessas obras. Utilizou-se como aporte teórico o referencial dos Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa e os estudos relativos à formação e ao desenvolvimento da literatura juvenil no Brasil e em Angola, utilizando também as noções do paradigma indiciário proposto por GINZBURG (1989) como um recurso metodológico que pode contribuir com a Literatura Comparada. O modelo indiciário mostrou-se uma perspectiva de análise produtiva para o desvelamento das imagens das violências, no percurso de construção das identidades dos protagonistas das duas obras analisadas, por mapear os indícios, que permitiram identificar as diferentes violências que constituem, em parte, um legado universal, por estarem presentes em todas as culturas e nas mais diversas temporalidades; e, em parte, um conceito idiossincrático, por apresentarem tonalidades locais, de acordo com o tempo-espaço em que elas se materializam, já que partimos da hipótese de que se trata de um conceito que é histórico e culturalmente construído. Nos universos ficcionais analisados, os protagonistas não se apresentaram apenas como meras potencialidades de recursos estético-formais, mas revelaram uma natureza simbólico-coletiva, à medida que espelharam a matriz constitutiva do adulto que constrói o futuro das sociedades a que pertencem. Por essa razão, o constructo emprestado de Deleuze e Guattari do devir-criança mostrou-se eficaz para caracterizá-los, afastando-os da imagem idealizada da infância vista apenas como uma etapa da vida humana marcada pelas narrativas da inocência e possibilitando sua análise como uma construção histórica, cultural, social e econômica que permite explicar a sociedade de que eles são produtos. Também as imagens das violências que gravitam em torno desses universos ficcionais puderam ser recuperadas pelo mapeamento de indícios, em cada um dos projetos estéticos estudados. Assim, foi possível concluir que para além das histórias que cada protagonista constrói e que são marcadas na efabulação pelo seu chrónos específico, a condição de devir-criança os aproxima, no tempo aiônico das experiências por que passam, já que eles interrompem a história, revolucionam-na e criam pelo princípio-esperança uma nova e potencial história, uma matriz espaço-temporal de onde outras histórias podem ser contadas sobre o que pode ser a infância como potência, como possibilidade real. Dessa forma, não se pode falar em infância, mas em infâncias, em existências singulares que aprendem, de acordo com os modelos que lhes são oferecidos pelo universo adulto, mostrando que se deve tornar o passado útil e não coercitivo, na formação das novas gerações, ensinando não o que aprender, mas como fazê-lo e não com o que comprometer-se, mas mostrando-lhes o valor do compromisso.
Ultimatum, crise do romance e representação literária em Eça de Queiroz
A proposta desta tese é a de investigar as relações entre processo social e forma literária nos dois últimos romances de Eça de Queirós, escritos após a crise de 1890 A Ilustre Casa de Ramires e A Cidade e as Serras. Nesse sentido, se à crise do processo social (Ultimatum), conforme Walter Benjamin, corresponde uma crise na forma do romance, certamente há, nesses dois últimos romances de Eça, formas singulares que sedimentam o processo em questão. Assim, é preciso ler as duas obras em conjunto para entender o que Antonio Candido chamou de redução estrutural. O objetivo é entender em que medida a história, como causa ausente, se manifesta na forma do romance. Para tanto, será preciso recorrer não só à história do período, sobretudo no que concerne à luta de classes na Europa e, especificamente, em Portugal, a fim de entender os movimentos de ambos os romances, na sua tentativa de responder artisticamente à crise; mas também recorrer a um método específico para investigar adequadamente o que foi proposto. Nesse sentido, será imprescindível a referência ao historiador Arno J. Mayer, principalmente ao seu trabalho sobre o papel da aristocracia na luta de classes da sociedade europeia até a Grande Guerra. Obrigatória também será a referência ao antropólogo Norbert Elias e à sua análise sobre os rituais aristocráticos na sociedade de corte. Por fim, Fredric Jameson será a referência metodológica, a partir de sua proposta de uma análise calcada no inconsciente político.
Personagens engajadas em sociedade de classes: uma leitura comparativa entre \'O Tempo e o Vento\', de Érico Veríssimo, e \'Levantando do chão\', de José Saramago
O presente estudo comparativo aproxima o discurso literário de O Tempo e o Vento, do escritor brasileiro Érico Veríssimo, e Levantado do Chão, do escritor português José Saramago. Observamos em O Tempo e o Vento que as relações humanas são focalizadas e desenvolvidas a partir do modo de vida e das preocupações das personagens proprietárias. Os conflitos existentes expressam o auge e a decadência moral de um estrato da sociedade brasileira e dão lugar a disputas políticas e ideológicas para a manutenção da ordem social vigente. Em Levantado do Chão o modo de vida e as preocupações das personagens são apresentadas ligadas diretamente aos interesses das personagens trabalhadoras do campo. O conflito social constitui o sistema opressor português e a resistência decorrente desafia a ordem. As ações políticas das personagens, no sentido de manter ou resistir à ordem social vigente, podem ser apreciadas a partir de uma longa época histórica integrante do tempo nas narrativas, que salienta a queda da monarquia, os grandes acontecimentos locais, a Primeira Guerra Mundial, a Revolução Russa, a Guerra Civil Espanhola, a Segunda Guerra Mundial e aborda o início e o fim do Estado Novo em ambos os países. Assim, visualizamos os aspectos semelhantes entre as personagens em atividade política e ressaltamos aspectos diferenciadores como classe social, ideal socialista e intensidade de atuação, a fim de acompanharmos a trajetória do engajamento durante o século XX.
2007
Iraci Judite de Lacerda
Convergências e divergências: revistas literárias em perspectiva
A Águia foi um órgão da \"Renascença Portuguesa\" e sua segunda série esteve, pelo menos em seus primeiros anos, orientada pelo Saudosismo - doutrina capitaneada pelo poeta Teixeira de Pascoaes. A partir dessa revista surgiram inúmeros outros periódicos, dentre os quais destacamos a Seara Nova e Terra de Sol. O objetivo dessa pesquisa foi, tendo a 2a série de A Águia como matriz, pensar e comparar essas três publicações. Ao verificar as convergências e divergências entre elas, pudemos compreender várias questões referentes às relações entre Portugal-Brasil nas primeiras décadas do século 20: os conceitos de \"nação\" incorporados aos discursos desses objetos de análise; a idéia de \"engajamento\" entre os intelectuais envolvidos nas revistas e as possíveis relações entre o modernismo brasileiro e o modernismo português.
2008
Raquel dos Santos Madanêlo Souza
Um amor que se anuncia, polas ribas da cantiga: modos de presença da lírica medieval galego-portuguesa em Trovas de muito amor para um amado senhor, de Hilda Hilst
Através de uma leitura comparativo-contrastiva da tradição da lírica medieval galego-portuguesa e da poesia de Trovas de muito amor para um amado senhor, volume publicado pela escritora brasileira Hilda Hilst (1930 2004) em 1960, este trabalho propõe uma leitura dos modos pelos quais essa tradição constitui-se em estratégia privilegiada pela autora para a elaboração de uma subjetividade poética que só se pode afirmar e constituir plenamente na presença do Outro. Nesse sentido, a própria escrita poética definir-se-ia como incessante movimento de busca de um amado ausente, cuja condição permitiria aproximá-lo à noção do absolutamente Outro, postulada pelo filósofo Emmanuel Lévinas. Assim, enquanto impulso desejante condenado inevitavelmente ao malogro, o poema dobrar-se-ia sobre si mesmo, movimento do qual resultaria uma lírica de amor ao próprio texto poético.
2013
Arnaldo Delgado Sobrinho
A voz, o lugar e o olhar: culturas e periferias em Subúrbio de Chico Buarque
A presente dissertação verifica a abordagem dos espaços periféricos a partir da análise poética da canção Subúrbio, de Chico Buarque (Carioca, 2006), com o fito de analisar o lugar de enunciação do sujeito poético. Nossa hipótese é a de que na canção um enunciador cujo olhar se distancia dos objetos que tematiza e que esta abordagem é um aspecto que prevalece em boa parte da obra cancional do referido poeta.
2013
Sandra Salavandro Rodrigues
Narrativa e resiliência: a invenção de si. Um estudo das narrativas produzidas a partir do jogo Enredo
Essa pesquisa analisa quinze narrativas produzidas pelos alunos de graduação da disciplina ECLLP V, ministrada pela Prof. Dra. Fabiana Buitor Carelli no 1º semestre de 2017, na Faculdade de Letras da FFLCHUSP, a partir da utilização do jogo narrativo Enredo, na plataforma digital e-Scola. O baralho, que produzimos artesanalmente no ateliê Ocuilí de artes, instaurou o caos e seu sistema randômico foi, portanto, organizado textualmente. Nossas análises, nesse contexto, privilegiaram a observação dos caminhos escolhidos por cada composição, demonstrando assim o conceito de resiliência narrativa cunhado em nossa pesquisa. Fundamentamos nossa investigação na fenomenologia hermenêutica de Martin Heidegger e Paul Ricoeur e também na ideia de resiliência desenvolvida por Boris Cyrulnik. A apreciação atenta dos textos produzidos pelos alunos revelou a proximidade entre o processo de construção textual e a experiência existencial, de modo a reiterar as bases epistemológicas de nossa pesquisa. Mais do que corroborar uma linha de pensamento, as produções discentes aqui analisadas constituem um corpo de análise robusto do ponto de vista dos estudos literários e uma prazerosa experiência estética.
Câmara Cascudo e Oscar Ribas: diálogos no Atlântico
O presente trabalho tem por objetivo propor aproximações entre os autores Câmara Cascudo e Oscar Ribas. O primeiro pertencente ao sistema literário brasileiro e o segundo ao angolano. Buscamos a comparação entre ambos, considerando as semelhanças entre seus percursos. Ao longo de suas carreiras, os autores dividiram-se entre a produção literária e a pesquisa folclórica. A proposta que executamos apropria-se do conceito de macrossistema literário defendido por Benjamin Abdala Júnior. Em sua perspectiva, macrossistema é definido pelos contatos que podem ser estabelecidos entre os sistemas literários nacionais no contexto das literaturas de língua portuguesa. Nosso estudo centra-se sobre dois romances: Canto de muro (1959) de Câmara Cascudo e Uanga (feitiço) (1951) de Oscar Ribas. A análise destas obras nos permite apreciar textos fracionados entre o fazer literário e o compromisso com a divulgação de dados de pesquisa. A dualidade nas carreiras dos intelectuais é espelhada na composição de seus romances. Realizamos também uma leitura do livro de ensaios Made in África (1965) de Câmara Cascudo, no qual nos deparamos com um Cascudo leitor de Oscar Ribas e preocupado com os matizes africanos da cultura brasileira.