Repositório RCAAP
O socialismo fora do lugar. Forma literária e matéria social em Manuel Rui
Quem me dera ser onda (1982), de Manuel Rui (Huambo, 1941 -), est certes un point fort de la fiction angolaise de laprèsindépendance, avec ses propres implications extra-littéraires. Presque à lunanimité, la critique a envisagé le récit sous langle de la satire sociale ou costumbriste, dans laquelle laccent était mis sur la caricature de comportements considérés comme déviants des standards de la société recherchés par les idéaux révolutionnaires des années 1980. Sans nuire à de telles interprétations, comme nous comprenons quils font partie dun processus daccumulation critique dont bénéficient toutes les lectures suivantes, notre argument va dans un sens différent, à savoir: sans préjudice de la caricature, la comédie à laquelle se prête le comportement des personnages consiste en une formalisation dun ensemble dambivalences, dadéquations et de contre-idées révélant la spécificité dun système de relations sociales résultant de la rencontre de lidéologie du prolétariat avec lexpérience locale dune ancienne colonie portugaise située au sud du Sahara.
2019
Osvaldo Sebastião da Silva
Militância anticolonial e representação literária: Nós, os do Makulusu, de José Luandino Vieira e Un fusil dans la main, un poème dans la poche, de Emmanuel Dongala
Se o exercício comparativo desta pesquisa iniciou seu percurso recorrendo a breves elementos comuns e numerosas diferenças entre os romances Nós, os do Makulusu, de José Luandino Vieira, e Un fusil dans la main, un poème dans la poche, de Emmanuel Dongala, o desenvolvimento analítico permitiu construir um diálogo profícuo entre as obras valendo-se dos conceitos de oposição e contradição, didática e dialética. À sua maneira, cada uma das duas narrativas materializa questões que parecem apontar para diferenças significativas também na constituição dos sistemas literários vizinhos a que pertencem. Neste sentido, ao dar enfoque às complexas relações que articulam a produção literária às dinâmicas sociais de seus contextos, empreendeu-se um esforço de reflexão acerca das tensões e contradições que marcaram os processos históricos das colonizações portuguesa e francesa em Angola e Congo-Brazzaville partindo das particularidades de composição verificadas em cada um dos textos literários. Através desse processo, buscou-se explicitar como as contingências agem de modo complexo e intrincado, de forma a influenciar dialeticamente as possibilidades de representação e as escolhas formais dos autores.
2017
Jacqueline Fernanda Kaczorowski Barboza
Leitores angolanos, variadas leituras: um olhar sobre a literatura de Angola no pós-independência
A literatura desempenhou um relevante papel nos anos em torno da independência de Angola, conquistada em 1975, convocada que foi a participar dos contornos que redesenharam a nação. O governo que assumiu o país, em cujos quadros figuravam muitos dos poetas e escritores que lutaram pela libertação de Angola, desenvolveu uma série de ações para uma maior difusão do livro e da literatura. Este trabalho se debruça sobre o período entre 1975 e 1991, quando o Estado centralizou essas ações de apoio à leitura, propondo-se a entender como foi construído esse projeto e, sobretudo, como ele ecoou nos leitores de então, reconhecendo que o público é parte integrante e fundamental de um sistema literário. Para tanto, examinamos primeiramente duas instituições em muito responsáveis pelo que se publicou no país - a União dos Escritores Angolanos e o Instituto Nacional do Livro e do Disco -, a partir de depoimentos dos sujeitos que lideraram essas organizações e da análise do material produzido. Posteriormente trabalhamos com as memórias de quatro entrevistados, buscando reconstituir suas trajetórias de leitores e compreender seus diálogos com este projeto literário levado a cabo após a independência. Na chave da história da leitura e entendendo a literatura como sistema, esta dissertação deu voz a um segmento comumente silenciado e mostrou como são multifacetados os olhares em torno do projeto angolano.
A literatura e a concepção de identidade em algumas narrativas de Estórias Abensonhadas de Mia Couto e de Rio dos bons sinais de Nelson Saúte
O presente trabalho, a partir da perspectiva comparatista, desenvolve uma análise crítica de algumas narrativas de Estórias Abensonhadas de Mia Couto e de Rio dos bons sinais de Nelson Saúte à luz da importância do gênero conto, em que também significativamente se revelam as dimensões das literaturas africanas de língua portuguesa, além das possibilidades de investigação em torno de algumas das lógicas culturais que envolvem a história dos diferentes grupos etnolinguísticos que fazem parte do contexto geográfico moçambicano. Evidentemente que preservadas as especificidades históricas de cada grupo nacional local, a dissertação também se volta para a análise das tensões históricas resultantes do processo de intervenção metropolitana e manifestas na ficção moçambicana, sobretudo em textos escritos por uma intelectualidade urbana local mobilizada para a resistência. Inevitavelmente, as questões que foram se intensificando em torno da identidade moçambicana entendida a partir dessa perspectiva endógena serão examinadas.
\"Qui nem jiló\": a saudade do lugar de origem
A saudade é um significante que condensa camadas semânticas que se aproximam dos sentidos da melancolia e da nostalgia, diferenciando-se por constituir a percepção humana da fugacidade do tempo e suas aspirações pela eternidade. Tais dimensões associam-se, mais frequentemente, à falta e ao desejo de presentificação das imagens da infância, dos amigos queridos, do (a) amado (a) ausente e do lugar de origem distante. Presente na lírica portuguesa desde os registros dos cantares medievais trovadorescos, a saudade associou-se a todos os movimentos estéticos literários, apresentando-se também como um tema prevalente na lírica brasileira, de forma incipiente no período colonial e intensificando-se a partir do movimento romântico. O presente trabalho optou pelo recorte axial da saudade do lugar de origem com o intuito de indagar as semelhanças e dessemelhanças entre seus sentidos nas matrizes portuguesas e na lírica brasileira. Para tanto, fez-se inicialmente um levantamento das origens da palavra, assim como alguns apontamentos sobre possíveis ancoragens psicológicas. Em outra seção, uma compilação do tema diacronicamente organizada a partir da lírica de poetas portugueses, a qual aponta a prevalência de sujeitos poéticos coletivos que têm saudades de uma pátria grandiosa, pathos que se sustentaria em relatos míticos e registros históricos. A partir da visada modernista, buscam-se os sentidos da saudade do lugar de origem em sua dicção brasileira, elegendo para análise os textos poéticos de três poetas representativos do período: Manuel Bandeira (Evocação do Recife, Recife e Vou-me embora pra Pasárgada), Vinicius de Moraes (Ilha do Governador, Saudades do Brasil em Portugal e Pátria Minha) e Torquato Neto (Tristeresina, A Rua e Três da Madrugada). Nesses textos, observaram-se aproximações e afastamentos da semântica portuguesa. Estes distanciamentos caracterizaram-se, principalmente, pelos acentos lúdicos, pela ênfase na intimidade dos sujeitos poéticos e pela predominância de uma sintaxe coloquial. À guisa de conclusão, destacou-se a importância desse tema para a lírica: a saudade constitui um índice que aponta para a procura do sujeito por si mesmo, de forma que ao escrever sobre lugares de origem queridos, o poeta afirma sujeitos poéticos no intuito de presentificá-los.
2013
Victor Roberto da Cruz Palomo
A desumanização em o remorso de baltazar serapião: uma análise da violência dos homens contra mulheres
As desigualdades entre os gêneros reforçam uma estrutura social injusta entre os homens e as mulheres, que valida a superioridade de um sobre outro. E, como forma de manutenção de um status ou ordem, atribui poderes desiguais entre eles, com uma distribuição diferente de direitos e deveres. Mesmo em ambientes em que se pressupõe igualdade, é possível encontrar diferença na distribuição do poder. Nas sociedades em que predomina essa desigualdade, a violência contra as mulheres torna-se uma prática recorrente. Tendo isso em vista, o objetivo central da presente pesquisa é investigar como a violência é construída e justificada no romance o remorso de baltazar serapião, do escritor português valter hugo mãe. Pretendemos examinar o tratamento dispensado à figura feminina pelo narrador-protagonista, a partir das situações em que a violência contra a mulher ocorre no romance e analisar o seu posicionamento diante disso. Apesar de tratar-se de uma obra contemporânea, publicada em 2006, o enredo evoca um período distante no tempo, que se assemelha à Idade Média, já que remete a relações entre senhores e servos, relações em que a concepção de igualdade social entre os sujeitos não existia. Apesar de muitas práticas violentas não serem consideradas crimes, acreditamos que seja importante para nossa pesquisa compreender e analisar essas situações de violência. Espera-se, com esta dissertação, contribuir tanto aos estudos de Literatura Portuguesa quanto, especificamente, aos estudos do premiado romance de valter hugo mãe, e ampliar as reflexões sobre a permanência da violência de gênero na sociedade contemporânea, possibilitada pelo enfoque dado à questão em o remorso de baltazar serapião.
2018
Penélope Eiko Aragaki Salles
Fantasmas que investigam: nação, masculinidades, violência em A Varanda do Frangipani e O Filho da Mãe
Esta dissertação apresenta um estudo comparativo tendo como objetos de investigação os romances A varanda do frangipani (2007), de Mia Couto, e O filho da mãe (2009), de Bernardo Carvalho. Considerando que os dois romances se apresentam como narrativas ligadas ao gênero literário romance policial, buscou-se analisar de que maneiras tais romances apresentam modalizações e reformulações em relação aos aspectos formais e estruturais deste gênero. A partir destas constatações, a investigação debruça-se sobre os conflitos gerados pelas relações de gênero, enfatizando os encontrados na elaboração das identidades masculinas. Por fim, avalia-se de que maneira a violência se apresenta nas narrativas, tendo como princípio que nelas o crime fora suplantado por outras demandas.
2018
Edson Salviano Nery Pereira
Luanda: entre camaradas e mujimbos
De uma perspectiva comparada, e sob viés literatura e sociedade, o objetivo desta tese é discutir os tópicos espaço e discurso, nas narrativas angolanas Quem me dera ser onda (1982), de Manuel Rui e Bom dia camaradas (2000), de Ondjaki. No capítulo 1, para contextualizar o tempo da diegese, os anos 80 em Angola, examina-se o discurso das personagens, do narrador e do discurso de léxico socialista. No capítulo 2, a análise concentra-se na representação dos espaços de Luanda, em três instâncias: o privado, o coletivo e o público, ou seja, a casa, os prédios e a escola; bem como suas relações com o discurso. No capítulo 3, demonstra-se como espaço e discurso se interligam ao contradiscurso (mujimbo). Em meio a isso, argumenta-se também como o sistema de contradições sociais corrobora para dar forma à estrutura das obras.
O romance-folhetim de Camilo Castelo Branco e Eça de Queirós
O presente estudo tem como objetivo a aproximação de dois escritores praticamente contemporâneos, Camilo Castelo Branco e Eça de Queirós, usualmente afastados em manuais de literatura e até mesmo no ensino universitário por serem classificados como pertencentes a dois movimentos literários antagônicos. Através da perspectiva do comparatismo histórico e das transferências culturais, pretendemos relativizar o modo panorâmico de análise, que os distancia para fins didáticos, e a visão de que a literatura e cultura francesas teriam representando para Portugal e seus escritores uma influência hegemônica e centralizadora, perspectiva dominante em parte da crítica literária, lançando um novo olhar sobre a produção inicial de ambos os escritores de forma a aproximá-los e repensando alguns aspectos do romance-folhetim oitocentista produzido em Portugal. Para tanto, realizaremos uma análise comparativa dos seguintes romances: Les Mystères de Paris (1843), do escritor francês Eugène Sue; Mistérios de Lisboa (1854), de Camilo Castelo Branco; e O Mistério da Estrada de Sintra (1870), de Eça de Queirós e Ramalho Ortigão.
Dama da Noite & Kid: experiência do corpo em personagens de Caio Fernando Abreu e de Al Berto
A presente dissertação propõe-se a analisar comparativamente os personagens Dama da Noite e Kid, presentes respectivamente nos livros Os dragões não conhecem o paraíso, do escritor brasileiro Caio Fernando Abreu, e Lunário, do poeta português Al Berto, ambos publicados originalmente no ano de 1988. Neste estudo comparativo, pretende-se observar como a oscilação entre os gêneros sexuais dos personagens redundam na oscilação de gêneros textuais das obras
2014
Bruno César Martins Rodrigues
Para entender o Japão: aspectos da cultura japonesa em textos de Wenceslau de Moraes
A partir dos escritos do autor português Wenceslau de Moraes (1854- 1929) produzidos durante sua vivência no Japão especialmente suas primeira e última obras, Dai Nippon e Relance da Alma Japonesa, respectivamente a presente pesquisa pretendeu discutir o caráter diversificado de sua prosa e observar o processo de mediação cultural que o autor empreendeu por meio dela, estabelecendo um diálogo entre Oriente e Ocidente. Para a realização deste estudo, consideramos também outros textos do autor pertencentes a outras fases de sua produção bibliográfica, tais como A Vida Japonesa, O Livro do Chá, Os Serões no Japão, O-Yoné e Ko-Haru entre outras. Nosso objetivo foi o de confrontar aspectos culturais e literários presentes na prosa de Moraes com os estereótipos sobre o Oriente vigentes naquele momento, na busca de precisar o imaginário agenciado pelo escritor.
Metáforas do mosaico: Timor Leste em Ruy Cinatti e Luis Cardoso
Na construção do discurso ainda incipiente de Timor Leste, Ruy Cinatti e Luis Cardoso são autores fundamentais. Ambos constroem discursos sobre Timor, calcados na necessidade de se pensar as questões identitárias. Com seu caráter multifacetado, Cinatti apresenta uma visão bastante ampla dos timorenses e de seu território, através de sua obra poética e também dos seus inúmeros estudos científicos sobre o local e seus habitantes. Cinatti é, sem dúvida, um dos poucos poetas que articulam ciência e poesia, inaugurando uma nova visão de Timor. É fundamental perceber também como houve, para ele, uma evolução na imagem do timorense, ou seja, como ele deixa de ser um simples elemento exótico, numa paisagem por si só já exótica, e passa a figurar como elemento de destaque. Durante os diversos períodos em que esteve no território timorense, Ruy Cinatti escreveu diversos estudos científicos, além das poesias. A análise de alguns desses documentos complementa a leitura da obra poética do autor. As inúmeras fotos tiradas por ele, bem como os registros em filme, também são elementos fundamentais para a compreensão global do discurso cinattiano acerca de Timor. Ruy Cinatti, assim como o conjunto da sua obra, influenciou o romancista timorense Luís Cardoso, que lança mão da memória para narrar acontecimentos pessoais, sempre ligados a fatos históricos do Timor. Utiliza-se constantemente da memória não-oficial para recuperar a história que não foi registrada. Sua narrativa tem fortes características da literatura oral, com pinceladas de realismo fantástico. O presente trabalho procura traçar um paralelo entre esses dois autores, mostrando como cada um constrói a sua própria imagem de Timor, e perceber como Timor se vai desenhando na narrativa desses dois autores.
2012
Letícia Villela Lima da Costa
A expressão metafórica do sentido de existir na literatura caboverdiana contemporânea: João Varela, Corsino Fortes e José Luís Tavares
A produção literária assinada pelos autores cabo-verdianos João Vário (heterônimo de João Varela), Corsino Fortes e José Luís Tavares constitui o objeto central desta análise desenvolvida a partir do estudo teórico do conceito de Identidade, visando enquadrar teoricamente a produção literária cabo-verdiana contemporânea, identificar as principais linhas de sua orientação (conteúdos, temática, estilos, retórica), relevando a receptividade da intercomunicação cultural e literária de/entre eles, bem como apresentar uma fundamentação teórica e metodológica para a leitura de suas obras. Aliando conteúdos teóricos aos contextos de produção poética pré e pós-independência, analisamos poemas das obras Exemplos (1966-1998), de João Vário, A cabeça calva de Deus (2001), de Corsino Fortes, e Agreste matéria mundo (2004), de José Luís Tavares para verificar o posicionamento dos sujeitos literários na (re)construção da(s) identidade(s) na Literatura Cabo-Verdiana a partir dos anos 1960 do século XX à atualidade. O tratamento do tema visa caracterizar uma expressão metafórica do sentido de existir na Literatura Cabo-verdiana contemporânea, consubstanciada essencialmente no cruzamento de orientações dos estudos literários pós-estruturalistas, pós-coloniais, Estudos Comparados e Teoria da Literatura, e ainda com base na exploração de conteúdos literários com uma forte dimensão filosófica da contemporaneidade, conforme concebida por teóricos como Stuart Hall, Zigmut Bauman, Antonny Giddens, Michel Foucault, Jacques Derrida, Edward Said, Hassan Zaoual e Benedict Anderson, Milton Santos, entre outros.
2013
Maria de Fátima Fernandes
Desabrigo-mundo - narrativa século XXI
Este trabalho consiste na investigação dos aspectos de uma literatura-mundo produzida no Brasil face ao século XXI. A partir de uma breve incursão na problemática situada por Maurice Blanchot na última parte de O livro por vir, Para onde vai a literatura?, na qual é realizada uma releitura dos autores aí abordados, são desenvolvidas análises do projeto narrativo de três autores brasileiros: Mauricio Salles Vasconcelos, Fausto Fawcett e Botika. A proposta é sondar de que maneira a aqui denominada narrativa século XXI se difere do paideuma da narrativa moderna, modernista, pós-moderna, e como a problematicidade do mundo, ao menos desde a segunda metade do século XX, exige um redimensionamento, uma transição da crítica para pensar as heterocronias e heterotopias abertas pela literatura feita sob o signo da transversalização dos saberes no mondo tecno.
2019
Tiago da Cunha Fernandes
Maria Gabriela Llansol: o \'acto de ler tão perigoso\'
Não é estranha à textualidade da escrevente portuguesa Maria Gabriela Llansol certa preocupação com uma (des)pedagogia da leitura do texto literário. Nesse sentido, (per)sigo, neste trabalho, o exercício desta (des)pedagogia na obra de Gabriela, observando aí, mais diretamente, a presença de exercícios críticos e metalinguísticos que, ao atravessarem o tecido narrativo e com ele constituírem uma única paisagem textual, ao mesmo tempo exigem e afirmam outras formas de ler o literário.
2019
Arnaldo Delgado Sobrinho
Fala Natureza! Teu intérprete te escuta! (Literatura e meio ambiente em Guimarães Rosa)
A crise ambiental é a crise de nosso tempo reconhece Enrique Leff, para quem a construção de um saber ambiental deve estar centrada no pensamento e no ser, no encontro de racionalidades e identidades, na abertura do saber à diversidade, no questionamento da historicidade da verdade, na utopia e na articulação das ciências com as diferentes significações culturais designadas à natureza. Diante desse propósito, a literatura se apresenta como instrumento para se pensar a complexidade ambiental. Nas fronteiras fluídas do ético e do estético, do espaço privado e do público, da arte e das ciências, do ficcional e do real, o texto literário evidencia a relação da sociedade com seu meio ambiente. É o que se constata na produção literária de João Guimarães Rosa, escritor mineiro, para o qual escrever sobre a natureza tem o sentido de missão, de vocação superior (virtude atribuída por Antonio Candido aos poetas). Sendo um autor que tinha consciência das grandes responsabilidades que um escritor assume, através da imaginação, do resgate da história, da pesquisa e da indagação, Rosa encontra na natureza do sertão a inspiração que vai permitir fluir em sua obra as leis da natureza e dos homens, o saber popular e o erudito, o mitopoético e o prático, o passado e o presente, a ciência e a arte. Uma complexidade que emerge como resposta da própria natureza frente à sua degradação. Dentro dessa perspectiva, propomos percorrer o itinerário de Guimarães Rosa em seu trabalho missionário de intérprete da natureza e de reler seu discurso à luz do pensamento de Leff sobre a complexidade ambiental. Nesse trajeto se delineiam os traços do poeta que apreende, compreende e internaliza as questões ambientais e se reconhece a sua obra, como precursora do discurso ambientalista e referência literária para a construção dos pilares da nova racionalidade ambiental.
2010
Teresinha Gema Lins Brandão Chaves
Ordo Amoris: inventários das quatro estações em Caio Fernando Abreu e Renato Russo
Esta pesquisa, que é também uma ode em suas múltiplas expressões, se ergue no rastro dos afetos, do caos e do lirismo desmedido encontrados nos discursos poéticos de Caio Fernando Abreu e Renato Russo (o primeiro nos domínios da ficção literária e o segundo nos da canção de rock); constrói-se, também, com vistas às inquietações atravessadas pela busca do lugar da poesia no cenário da prosa e da letra de música, aqui recortadas, atendo-se ao modo como essas vozes se mantêm ressonantes e esteticamente significativas no contexto atual. Na procura por legitimar o protagonismo de Eros e seus pares dentro do universo contemporâneo e impetuoso de um mundo híbrido e desconexo, a ordo amoris, como linguagem coletiva e universal na erótica social, foi um modo de operacionalizar as questões centrais e organizar esses inventários (forjados a partir das metáforas do livro de contos Inventário do ir-remediável e do disco As quatro estações), transferindo, refletindo e redesenhando os espaços de criação, recepção e estética em literatura, que nessa dissertação borra fronteiras. A cultura de afetos, a filosofia existencialista e as contribuições sobre sujeito, coletividade, erotismo e subjetividade(s) reinventam e sustentam os debates que se edificam em espaços plurais de atuação, no desenho cartográfico que se vai formando a partir da poética de Caio e Renato e seus discursos à flor da pele. As quatro estações potencializam e iluminam os passos das divindades míticas e dos sujeitos líricos que se cruzam nessa pesquisa, são as vias férteis que acenam para a presentificação do agora, quando há trocas necessárias de papéis em que o eu se dissolve e se derrama no outro, na busca por essa alma coletiva da humanidade (quase) perdida e da celebração. São, principalmente, os pressupostos teóricos de Michel Maffesoli (2014a) e Giorgio Agamben (2013) que fundamentam e iluminam esse barco solto na correnteza.
2017
Adriane Figueira Batista
Escritores e intelectuais no contexto literário: o engajamento de Marcelino Freire
O presente trabalho tem por objetivo refletir acerca dos papéis de intelectual e escritor engajado desempenhados pelo autor pernambucano radicado em São Paulo Marcelino Freire. Para tanto, fez-se, num primeiro momento, um percurso por algumas definições de intelectual, com o propósito de compreender a função desse sujeito na contemporaneidade, e procurou-se verificar e exemplificar como ocorre o engajamento de intelectuais na literatura. Em seguida, discutiu-se o agenciamento de Freire tanto na cena cultural como curador, palestrante, colunista, por exemplo quanto literária. Por último, a fim de diagnosticar como ocorre o engajamento mais especificamente na escrita ficcional freiriana, analisamos cinco contos do autor cuja temática central é o racismo ainda presente na sociedade brasileira e, ao mesmo tempo, a resistência do povo negro, a saber: Faz de conta que não foi. Nada. (Angu de sangue), Trabalhadores do Brasil, Solar dos Príncipes e Curso superior (Contos negreiros) e Favela Fênix (Amar é crime).
2017
Tatiane Pereira de Santana Ivo
No fogo das três pedras: leitura comparada das poéticas de Corsino Fortes, Arménio Vieira e Filinto Elísio
Inserida num contexto de globalização, a literatura cabo-verdiana parece impactada pelos influxos de modernidade e pós-modernidade. E colocar as poéticas de Corsino Fortes, Arménio Vieira e Filinto Elísio em comparação fornece índices desses impactos, sobretudo no que se refere às formas. As concepções do tempo e do espaço interferem nas escolhas estéticas e temáticas dos poetas, determinando trânsitos e permanências. Propõe-se, pois, sob essa perspectiva, a leitura das obras A cabeça calva de Deus (2010) e Sinos de Silêncio: canções e haikais (2015), de Corsino Fortes; O Brumário (2013), Derivações do Brumário (2013), Sequelas do Brumário (2014) e Fantasmas e fantasias do Brumário (2015), de Arménio Vieira; e Do lado de cá da rosa (1995), Li Cores e Ad Vinhos (2009), Me_xendo no baú. Vasculhando o U (2011), Zen limites (2016), de Filinto Elísio. A obra de Corsino Fortes volta-se para o futuro como um valor a ser perseguido e uma dimensão a ser construída a partir das percepções do passado e do trabalho no presente. Desse modo, o poeta insere-se na episteme da modernidade, compreendendo o trabalho com a palavra como fundamental não somente para a expressão de uma convicção ideológica e política como também estética. Com isso, um espaço bem delimitado, ao qual adere e no qual enraíza seus versos, desenha-se: Cabo Verde em sua multiplicidade étnica e cultural. A obra de Arménio Vieira parece marcada pelo desencanto e pelo esgotamento; nesse sentido, o olhar para o futuro revela apenas o nada, o vazio. O poeta centra-se na própria palavra que se manifesta no presente da escrita e se coloca em diálogo com autores da literatura mundial. O espaço que se revela não é físico ou geográfico, mas literário e de dimensões internacionais. A poética de Filinto Elísio, por sua vez, parece manter-se em trânsito constante, razão pela qual inscreve-se de maneira mais incisiva sob o signo do excesso; parece expressar uma temporalidade múltipla que, contudo, tem como foco irradiador o presente. O espaço apresenta-se na obra de Elísio também marcado pela pluralidade indiciada na referência explícita à viagem e a espaços geográficos diversos. Tanto Arménio Vieira quanto Filinto Elísio, pelo que apresentam de excessivo em seu fazer poético, remetem a características distintas das apresentadas pela poética de Fortes, principalmente no que se refere ao descentramento que as inscreve na episteme contemporânea de uma outra modernidade, cujas pluralidade e complexidade admitem variadas e, por vezes, controversas denominações como pós-modernidade, supermodernidade ou modernidade reflexiva.
2017
Raquel Aparecida Dal Cortivo
A contramão da realidade: ideologia e vida social em \'O ataque\' e em \'Frontal com fanta\'
O presente trabalho tem como objetivo analisar a trajetória dos protagonistas dos contos O ataque, de Luiz Ruffato; e Frontal com Fanta de Jorge Furtado. As personagens principais do conto, ao vivenciarem uma experiência com o insólito, veem-se obrigadas a lidar com os mais variados julgamentos por parte da sociedade, os quais não parecem, precisamente, contemplar a verdadeira realidade vivida por elas. Diante disso, à luz da crítica materialista e das teorias do fantástico, este trabalho procura investigar como o percurso desses protagonistas denuncia mecanismos ideológicos que não necessariamente determinam uma verdade coletiva, mas regulam e fazem prevalecer os valores sociais dominantes em cada um dos contextos abordados. Com base nessa análise literária, a pesquisa ainda avança sobre a hipótese da literatura fantástica não estar desvinculada do diálogo com a realidade e com as representações da vida em sociedade.
2017
Emily Cristina dos Ouros